Avedon, Diane Arbus e Susan Sontag

Avedon, Diane Arbus e Susan Sontag

Em um dos seus aforismos, o escritor irlandês Oscar Wilde diz que: “Se existe algo mais irritante no mundo do que ter pessoas falando sobre você, certamente é não ter ninguém falando sobre você”. Isso explica, em parte, o valor das biografias quando queremos compreender melhor as pessoas interessantes que conhecemos. Quando tratamos de fotógrafos ou pensadores que se debruçaram sobre este tema, esta forma literária não é tão pródiga quanto os livros de ensaios, entretanto é essencial se quisermos ir a fundo na produção de consagrados autores, como os americanos Diane Arbus, Richard Avedon e Susan Sontag, que ganharam importantes trabalhos nestes últimos anos e cuja complexidade demanda conhecer os momentos cruciais de sua existência.

Diane Arbus sempre causou interesse por produzir imagens peculiares nas quais se destacavam personagens que fugiam ao que poderíamos chamar de normalidade, a maioria por possuirem certas patologias ou pela ausência de um comportamento socialmente aceito pelas convenções de sua época. Um restrito grupo de seu interesse, assim como atraiu a curiosidade para si mesma por conta de não se enquadrar em alguma norma, bem como pela sua intensa personalidade igualmente afastada da média tanto quanto seus modelos.

Diane Arbus Portrait of a photographer (Ecco, Harper Collins, 2016) do jornalista novaiorquino Arthur Lubow, colaborador do The New York Times e da revista The New Yorker, lançado em junho de 2016, dá continuidade a uma grande matéria escrita por ele em 2003 em que começava citando uma frase do escritor norte-americano Norman Mailer após ser fotografado por ela: “Dar uma câmera para Diane Arbus é a mesma coisa que dar uma granada de mão para uma criança”. Vindo de um autor que também não se enquadrava no mainstream, soa como uma boa definição para uma poderosa obra que vem sendo sistematicamente discutida tanto quanto suas excentricidades pessoais.


Diane Arbus Portrait of a photographer de Arthur Lubow

Susan Sontag, Her Life and Work (Ecco, 2019) do escritor Benjamin Moser, norte-americano radicado na Holanda, revela as inquietudes, a vida familiar, os envolvimentos amorosos e as anotações de uma das mais importantes pensadoras do século XX. Comenta sua grande obra literária e a participação nos principais temas que envolveram nossa sociedade. Das suas questões mais íntimas aos questionamentos da violência nos conflitos do planeta, e claro suas discussões sobre a importância da fotografia no mundo contemporâneo.

Entre seus ensaios, gênero pelo qual Sontag ficou mais conhecida, On Photography (Farrah, Strauss & Giroux, 1977), publicado no Brasil em 1983, ainda pode ser considerado um livro essencial para quem quer discutir os fundamentos e o alcance da imagem contemporânea. Já o alentado volume escrito por Moser – também biógrafo da escritora ucraniana naturalizada brasileira Clarice Linspector com seu Clarice, uma biografia (CosacNaify, 2011) –, em suas mais de 800 páginas, entre elas dez dedicadas a uma vasta bibliografia e trinta de iconografia, avança sobre os seus diários de Sontag, cujos dois volumes foram publicados no Brasil pela Companhia das Letras em 2009 e 2016.


Susan Sontag, Her Life and Work de Benjamin Moser

Um prazeroso tour de force por pouco mais de 600 páginas é o que nos apresenta What becomes a legend most – A biography of Richard Avedon (Harper Collins, 2020), biografia feita por Philip Gefter, escritor e crítico de fotografia por quinze anos no The New York Times e autor de livros importantes como Wagstaff: Before and after Maplethorpe, a biography (Liveright, 2015). A obra traz em seu bojo catorze páginas destinadas a iconografia pessoal do fotógrafo e 69 destinadas a notas, além de uma bibliografia selecionada. Faz parte dos últimos grandes estudos sobre fotografia, fotógrafos, curadores e escritores e as relações que entre eles se estabelecem de inúmeras maneiras.

O fotógrafo americano Richard Avedon (1923-2004) publicou o livro An Autobiography (Randon House, 1993) e foi biografado em Richard Avedon, Something Personal (Randon House, 2017) por sua compatriota Norma Stevens – diretora de seu famoso estúdio desde 1976 até a sua morte, quando se tornou diretora por cinco anos da Richard Avedon Foundation – e Steven M. L. Aronson, seu amigo pessoal desde 1969. Tem cerca de 30 livros autorais e publicou nas revistas Vogue, Harper’s Bazaar e Egoïste e inaugurou os ensaios fotográficos na quase centenária revista The New Yorker, além de assinar inúmeras campanhas publicitárias.


What becomes a legend most – A biography of Richard Avedon de Philip Gefter

Arthur Lubow fundamentou sua biografia de Diane Arbus em entrevistas com amigos, modelos, seus relacionamentos amorosos e em cartas inéditas, traçando sua história desde o nascimento em uma rica família de comerciantes judeus russos, sua sexualidade precoce, sua carreira fotográfica como assistente de seu marido Allan Arbus no meio fashion e, posteriormente, como artista, até seus dias finais. Na narrativa, aparece uma sucessão de singularidades que culminaram na construção de uma obra artística e documental exemplar, bem como excentricidades que a levaram ao suicídio aos 48 anos.

A primeira biografia de Arbus, Diane Arbus: A Biography (Alfred Knopf, 1984) foi escrita pela jornalista norte-americana Patricia Bosworth, que a conheceu durante um trabalho quando era modelo para uma campanha publicitária, contratada pela fotógrafa e por seu marido, curiosamente para fazer o papel de um homem. O filme Fur, de 2006, dirigido por Steven Shainberg, um verdadeiro pastiche, foi supostamente baseado nesta obra. Já a biografia de Lubow ultrapassa em mais de 300 páginas a anterior (uma centena só de notas). Assim como a obra de Bosworth, a biografia de Lubow também não foi autorizada pelos herdeiros, motivo pelo qual não traz nenhuma imagem produzida pela fotógrafa, apenas uma pequena série de fotografias dela com conhecidos, com a família e em ação.

Nas décadas de 1970 e 1980, não eram muitos os pensadores contemporâneos que se debruçavam a fundo sobre a fotografia como Susan Sontag. No Brasil, quando Sobre a fotografia é publicado em 1983, a bibliografia sobre o assunto ainda era embrionária. Para os que reconhecem a sua contribuição e para aqueles que a estão conhecendo só agora, o livro de Moser – baseado em seus diários (Sontag Papers, digitalizados na Harvard Library com acesso aos pesquisadores), entrevistas com familiares, amigos e declarações de seus conhecidos – ilumina o lado mais humano da pensadora, “terno e inseguro” como escreveu o inglês Stephen Fry, mas, ao mesmo tempo, controverso nas suas posições em meio a uma turbulenta sociedade que se modificava fortemente.

Boas biografias mostram o lado mais íntimo e desconhecido de uma pessoa, ainda que ela seja uma figura pública. Entretanto, esta proximidade com Sontag pode não ser tão encantadora como seus textos. Por exemplo, um dos entrevistados pelo biógrafo lembra que, na escola, ela havia lhe perguntado se estava matriculado no programa de crianças intelectualmente talentosas. Quando ele disse que sim, Sontag perguntou se ela poderia falar com ele “porque as crianças da minha turma são tão idiotas que eu não posso falar com elas”. Ela só tinha 12 anos, mas isso até pode parecer natural para quem aprendeu a ler aos 3 anos e a escrever aos 6, balizando como seria a construção de seu legado intelectual.

Quem somos nós? O que somos nós? Por que somos nós? Uma alusão ao poeta inglês William Shakespeare, segundo Gefter, são questões existenciais que ressaltam o conjunto dos retratos produzidos por Richard Avedon. “Somos todos da mesma espécie, e com cada retrato que ele fez, independentemente de ser de um nobre ou de um sujeito de rua, ele representou alguém a ser contemplado no contexto de seu catálogo contínuo da humanidade, o que nos levou a considerar, uma vez mais, se somos a imagem que vemos no espelho”, escreve o autor.

Seu caráter perscrutador já parecia estar moldado aos 13 anos, questionando as revelações de seu rabino durante seu Bar Mitzvah. A curiosa história sobre a decepcionante revelação do religioso após todo seu complicado preparatório, “A verdade é a fonte”, foi contada para a modelo e atriz americana Lauren Hutton, uma de suas famosas interlocutoras, que fazia parte do mundo cultural e fashion novaiorquino e ouvia suas memórias. Ela, juntamente com a jornalista Doon Arbus, filha de Diane Arbus, Evelyn Avedon, sua esposa, e outros familiares, a atriz Lauren Bacall, o curador Peter Galassi e o jornalista Adam Gopnik são algumas das dezenas de fontes citadas.

A biografia de Arbus não se justifica apenas pelo interesse em uma existência incomum, mas pelo fato de estar extremamente conectada com sua obra fotográfica, ou melhor na construção de uma poderosa imagética como poucas vezes se viu no século XX. Em cinco páginas, o autor comenta uma de suas fotos mais icônicas, a do menino com a granada na mão no Central Park, de 1962 (que de certa forma nos remete a frase de Norman Mailer), Colin Wood, que na época tinha sete anos, disse ao autor: “Eu estava apenas impaciente, ela me viu frustado pelo que tinha ao meu redor…” De fato, uma frustração mútua que se tornaria propulsora de sua obra.

A descrição da fotografia de Wood no verbete da coleção do Metropolitan Museum of Art, de Nova York, cidade onde nasceu e viveu a fotógrafa, é que a imagem encarna uma mistura de inocência com violência, que nos faz pensar na transição de um país, saindo do isolacionismo complacente dos anos 1950 rumo a uma turbulência sociopolítica do final dos anos 1960 e 1970, uma certa presciência intuitiva que Diane Arbus tinha de seu tempo.

Pelo fato de Susan Sontag ser uma admirável intelectual e ativista, já vale a pena ler o grande volume, embora seja interessante e mais produtivo que o leitor mais interessado em fotografia já tivesse em conta alguns de seus livros, pelo menos o já mencionado Sobre a fotografia. Melhor ainda, depois da biografia, para quem leu o livro nos anos 1980, seria interessante fazer uma revisão do seu entendimento sobre este. Pode ser que mude algumas opiniões.


Biografias de Avedon, Diane e Sontag

Como as outras biografias referidas aqui, um dos tópicos sobre Avedon é sua opção sexual, o que parece ser uma constante em biógrafos cuja homossexualidade é pública. Assim como Benjamin Moser e Susan Sontag em sua insistência com esta temática sobre a ensaísta. Gefter, ativista da Gay Activists Alliance, também insiste no tema. Aparecem questões como Avedon ter pedido baixa da Marinha durante a Segunda Guerra, aos 21 anos, procurando “ajuda psiquiátrica” para evitar “sua inconveniente homossexualidade”. O fotógrafo, segundo o autor, desde então fazia cinco sessões de psicanálise por semana. Algo que se estendeu por toda sua vida. Entretanto, como afirma a historiadora Caroline Weber, esse ponto tem uma função importante quando pensamos que os fatos de ser um outsider, ter origem judaica de classe média e uma homossexualidade não exposta deveriam, na lógica do preconceito WASP, tê-lo excluído da alta sociedade a que ficou atado a maior parte de sua vida.

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fotógrafo e crítico. Escreve sobre fotografia desde 1988 para Ilustrada, da Folha de S.Paulo e para revistas como Iris Foto, Fotografe, Revista Fotosite, Santa Art Magazine e revistas acadêmicas como Cásper, da Faculdade Cásper Líbero, na Revista Jornalismo ESPM, Columbia Journalism Review e Facom, revista da Comunicação e Marketing da FAAP. É autor de sete livros de fotografia e participa com textos e imagens em mais de 200 publicações de editoras como Companhia da Letras, CosacNaify, Penguin Books, Editoral Crítica, Éditions Bessard, Éditions Autrement, Gustavo Gili, Yale University Press, The New Press, Rizzoli e Rive Gauche, entre outras, em mais de uma dezena de países. (foto: Ale Ruaro)

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