Entrevista: Ricardo Tokugawa

Entrevista: Ricardo Tokugawa

Ricardo Tokugawa é autor de Utaki, grande vencedor do Prêmio Lovely ’21 na categoria boneco fotolivro. Em sua curta trajetória, desde o lançamento em 25 de agosto de 2021, o livro já figura como um dos 10 destaques do Festival ZUM, organizado pelo IMS de São Paulo, e é o vencedor no ‘Premio Fotolibro Internacional’ do FELIFA (Argentina).

A Lovely House, editora pela qual o título foi publicado, bateu um papo com Ricardo sobre a fotografia, sua inspiração para o desenvolvimento do boneco, suas impressões sobre prêmios, entre outras cositas más.

Boa leitura!

Parte de sua formação o intitulou bacharel em engenharia civil. Você enxerga pontes entre a engenharia e a fotografia?

Ricardo Tokugawa: Acredito que a vida é formada por pontes. Pontes que ligam as diferentes fases da vida, que nos conectam à diversidade de experiências e que nos possibilitam transitar entre o material e o metafísico. Assim, a ponte que eu enxergo não é sólida e linear, como o projeto de um engenheiro, mas o extremo oposto. Viver é construir as próprias estradas e pontes sem se preocupar com a dualidade do “certo ou errado” da vida mundana.

Atualmente você dedica sua carreira à fotografia. Desde quando e o que o aproximou desta linguagem?

RT: Inicialmente, como engenheiro, tive uma formação puramente técnica. Momento em que não fui ensinado a questionar, mas apenas a ter respostas. Então, em um primeiro momento, a minha procura fotográfica foi apenas na melhoria técnica dessa linguagem. Em 2012, ainda trabalhando como engenheiro, me matriculei em fotografia na Escola Panamericana, onde tive Guta Galli e Daniel Salum como professores. Profissionais que, nesse momento, me apresentaram a possibilidade de poder questionar e trabalhar com o incerto. Assim, fui tomando consciência que fotografar, para mim, não é ter uma imagem como resultado, mas vivenciar o processo fotográfico, dando espaço ao acaso, à intuição e ao inexplicável.

O que pensa do livro como suporte para autoexpressão por meio da fotografia?

RT: O livro possui um caráter de perenidade e vida própria após a sua materialização. Mas acredito que a escolha desse suporte (ou a não utilização dele) para autoexpressão deve vir de maneira natural, de acordo com a necessidade específica de cada projeto. Acho interessante quando artistas subvertem essa ideia de perenidade, tornando o objeto suscetível ao tempo e/ou ao manuseio… Portanto, acredito que as possibilidades para o uso desse suporte são imensas e cabe ao autor adaptá-lo da maneira mais adequada à sua necessidade de expressão.

Utaki é seu primeiro fotolivro. De onde surgiu a ideia e como foi a experiência de sequenciar imagens para serem impressas em um livro?

RT: O projeto nasceu de um “simples” desejo de fotografar a minha família. Desejo que gerou uma energia interna para a produção fotográfica, mas sem a necessidade inicial de ter um projeto estruturado. Desde o início, em 2019, tive a orientação do professor e pesquisador Daniel Salum, primeiramente em encontros em grupo sob sua coordenação e posteriormente migramos para encontros individuais e virtuais, devido à situação de pandemia. Durante 2020 o projeto foi tomando corpo e como sugestão do Daniel, resolvemos sequenciar as imagens e iniciar o exercício de construção de uma narrativa, sendo que esse processo foi naturalmente se materializando no formato de livro. Assim, foi o próprio projeto que definiu esse suporte de narrativa como sendo o mais adequado.

Como bem perguntou Victor Hugo Kebbe na entrevista que você concedeu para a revista Japanologia.com, o que significa e porque você escolheu o nome UTAKI para seu projeto?

RT: O projeto foi realizado em quase a sua totalidade dentro da casa dos meus pais, em um ambiente familiar, onde nasci e cresci. Sou descendente de imigrantes que vieram de Okinawa, arquipélago ao sul do Japão, que possui costumes característicos locais. Assim, junto com os imigrantes, esses costumes também viajaram até o Brasil, onde sofreram mudanças e adaptações com o passar do tempo. Na minha criação, tive influência de diversas “culturas”, como estamos acostumados aqui no Brasil, mas em muitos momentos ao questionar alguma prática familiar, me era respondido que “funciona assim porque é a tradição [ou tradicional]”. Assim, sem questionar, continuava a reproduzir essas práticas “tradicionais”.
Ao me ver como fotógrafo/artista e tentar me entender no mundo, muitas dúvidas e enfrentamentos começam a surgir e o questionar, passa a ser natural. Algo que não me foi ensinado, como disse anteriormente.
Utaki na língua de Okinawa se refere à um lugar sagrado, e com essa ideia eu convido o leitor/a leitora a também elaborar os seus próprios questionamentos. Será que o que consideramos sagrado é intocável e imutável?

Em Utaki você se flagra num “enfrentamento pessoal na busca pelo entendimento de si no mundo”, como pontua Daniel Salum em seu texto sobre o livro. O sequenciamento de imagens somado à performance teatralizada por você e pelos membros de sua família nos remeteu a forma como o cérebro funciona quando está processando informações, mesclando cenas reais e imaginárias, numa dinâmica para tentar absorver o vivido, reconhecer-se e transmutar. Algo disto passou por sua cabeça? Qual a importância da fotografia na construção da narrativa que criou para seu livro?

RT: Acredito que a busca desse autoentendimento no mundo é um ciclo não-linear e eterno, assim como foi o desenvolvimento desse projeto e da sua narrativa. Ao fotografar, o reconhecer e transmutar não era claro no meu cérebro, eu apenas vivenciava. O reconhecimento e a transmutação acontecem a partir de um momento de distanciamento e estranhamento de mim mesmo, quando me olho nas fotografias e vejo um personagem. Assim, a fotografia para mim são esses constantes ciclos de enfrentamentos pessoais.

Você participa de alguns cursos e grupos de estudos. Em que estas trocas o ajudam a avançar em seus projetos fotográficos autorais ou mesmo profissionais?

RT: A realização dos meus projetos é pautada por desejos individuais e necessidades internas. Assim, existe um momento de produção muito interiorizada e intuitiva, que gera questionamentos e traz muitas incertezas. No momento do grupo de estudo, ao mostrar essa produção para olhares e vivências distintas, é uma forma de se distanciar do projeto e se abrir para a pluralidade, com críticas, indagações e visões diversas sobre o mesmo tema. Poder vivenciar o processo de criação e construção de outros artistas também é uma experiência enriquecedora. Ao falarmos sobre nossos projetos, estamos falando sobre nós mesmos e isso cria laços e relações permanentes, maior fruto desses encontros em grupo.

Como ganhador do primeiro Prêmio Lovely de Boneco de Fotolivro, você enxerga alguma relevância neste tipo de premiação, seja para a carreira, para o ambiente autoral ou editorial?

RT: O prêmio, acima de tudo, gera movimentos e conexões que vão além da premiação em si. Cria uma comunidade aonde artistas, curadores, pesquisadores, designers e todos os tipos de profissionais se conectam, gerando trocas e que fortalece o ambiente editorial como um todo.

Imagens da produção do fotolivro Utaki na Ipsis Gráfica

O fotolivro Utaki está disponível para venda no site da Lovely House.

 

Ricardo Tokugawa é formado em fotografia pela Spéos Photographic Institute em Paris, pela Escola Panamericana de Arte e Design em São Paulo e bacharel em engenharia civil pela Escola Politécnica da USP. Participou da 4ª temporada do programa Arte na Fotografia, do Canal Arte1, com Cláudio Feijó e Eder Chiodetto como mentores. Também participa do programa da União Europeia de formação em preservação e valorização de arquivos fotográficos, com parceiros de países da Europa, dentre elas a Magnum Fonds de Dotation, organização sem fins lucrativos ligado à agência Magnum Photos.

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A Lovely House é a editora e casa de livros brasileira que se dedica à curadoria e divulgação de livros de arte, com ênfase na fotografia e livros de artista, nacionais e estrangeiros, em grande parte de autores independentes. No espaço, físico ou digital, ainda acontecem lançamentos e encontros com convidados especiais. É criadora do Festival Imaginária. www.lovelyhouse.com.br

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