O papel da direção de arte na criação de fotolivros

O papel da direção de arte na criação de fotolivros

1. Introdução

A direção de arte agrega níveis de sentido e emoção a um projeto, em que se cria uma relação entre experimentar e experienciar, presente na produção de fotolivros, estreitamente vinculada ao design gráfico, assim como Mendes e Frederico (2018) explicam, a direção de arte aparenta encerrar um desdobramento natural da atuação profissional no campo do design gráfico. Segundo estes autores, a produção do meio editorial envolve duas fases, a saber, a concepção e execução do material editorial. Moraes (2015) contribui afirmando que, na produção de fotolivro, ou livro de artista, como a autora o nomeia, existem três ações, que são produzir, editar e circular, que se assemelham à estrutura de produção estudada para o presente artigo.

Dito isto, vale ressaltar que a origem do presente artigo foi resultado de pesquisas realizadas no programa de pós-graduação em direção de arte, no qual o problema de pesquisa aqui é buscar saber como a direção de arte está presente na estrutura atual de concepção e produção de fotolivros, com particular ênfase na relação entre direção de arte e concepção de fotolivros, identificando seu papel e sua relevância nesse processo.

Para tal, além da revisão bibliográfica, este trabalho tem como característica metodológica a participação de convidados importantes na produção de fotolivros no Brasil atualmente, a partir de entrevistas semiestruturadas via chamada de vídeo com vistas a angariar um leque mais amplo de perspectivas ao redor do tema.  

Identificaram-se três dimensões nos distintos papéis da produção de um fotolivro, de acordo com os agentes entrevistados: os pontos de vista do artista, do editor e do curador. As três entrevistas que alimentam essa pesquisa foram mediadas pelo Prof. Dr. Rogerio Zanetti Gomes. 

A primeira entrevista foi com a pesquisadora, artista visual e designer Letícia Lampert, a segunda contou com a contribuição do editor, curador e artista visual Eder Ribeiro, e, por fim, a terceira e derradeira entrevista se deu com Luciana Molisani e José Fujocka, proprietários da Lovely House e idealizadores do projeto Imaginária.

2. Fotografia

Como os fotolivros compõem-se quase que exclusivamente de fotografias, pareceu-nos incontornável que se elencassem definições sobre fotografia, com o intuito de contextualizar e esclarecer o real potencial desse tipo de imagem, uma vez pois muitos não compreendem o verdadeiro valor de um livro feito de fotografias, ou julgam ausência de textos incômoda.

Primeiramente, uma breve definição do que é imagem, necessária para contextualizar a imagem fotográfica, e distingui-la dos outros tipos de imagens. A definição apresentada será a de Flusser (2009), em que, traduzindo a ideia de forma bem simplificada, a imagem basicamente é uma superfície plana, que faz uma abstração do mundo real, superfície simbólica que representa algo exterior a ela, que adquire significado por meio da imaginação, ou seja, ganha sentido com a capacidade do observador de decifrar e decodificar imagens. 

A imagem reclama dois elementos constitutivos: um emissor e um receptor.  A seguirmos Flusser, a imagem sempre estará emitindo uma mensagem e só terá significado quando existir um receptor. Tal entendimento é nevrálgico, pois, a fotografia, naquilo que implica o livro, converte-se em objeto emissor da imagem, o que proporciona sentidos subjetivos aos receptores.

Atualmente já se sabe que a fotografia se encaixa no tipo de imagem técnica, o que a difere de outros tipos de imagens, como as tradicionais, que existem há muito mais tempo que a imagem técnica. Flusser (2009) classifica imagem tradicional e imagem técnica da seguinte forma:

ontologicamente, a imagem tradicional é abstração de primeiro grau: abstrai duas dimensões do fenômeno concreto; a imagem técnica é abstração de terceiro grau: abstrai uma das dimensões da imagem tradicional para resultar em textos (abstração de segundo grau); depois reconstituem a dimensão abstraída, a fim de resultar novamente em imagem. (Flusser, 2009, p. 13)

Basicamente, em outras palavras, o autor diz que a imagem tradicional é produzida por mãos humanas, cuja lógica representacional se dá a partir da subjetividade do observador, que está por trás daquela imagem, ou seja, é o resultado de como esse indivíduo enxerga o mundo e o representa em forma de imagem. Rouillé (2009, p. 34) afirma que “os lápis, os buris ou pincéis são ferramentas tão rudimentares, e tão tributárias da mão, que não passam de simples prolongamentos dela”, basicamente uma extensão da subjetividade humana. Já a imagem técnica é uma imagem em que o resultado é um processo técnico de imagem produzida por aparelhos, em que o processo de codificação do mundo real é representado por uma imagem, que, à primeira vista, confunde-se com o mundo real, pois aparenta representar o mundo como ele é, sem um perfil simbólico. Contudo, essa é uma noção ilusória de que a imagem técnica, ou a fotografia faz parte do mundo real.

Flusser (2009) diz ainda que se trata de uma abstração e é uma imagem, Santaella (2009), por sua vez, nos instrui tratar-se de um signo icônico, ou seja, signo que tem semelhança com seu objeto, porém não é o objeto em si, ou seja, é uma representação que ganha sentido quando há um receptor da imagem. Nas palavras de Rouillé:

[…] assim, a fotografia é máquina para, em vez de representar, captar forças, movimentos, intensidades, densidades, visíveis ou não; e não para representar o real, porém para produzir e reproduzir o que é passível de ser visível (não o visível) (Rouillé, 2009, p. 36).

Há uma clara diferença entre imagem tradicional e imagem técnica, porém, grosso modo, ambas são formas representativas, ambas são imagens, e um fator crucial é o humano, pois para se produzir uma fotografia, existe a intenção fotográfica, que parte de um ser humano.

 Schwarcz (2012, p. 10) enfatiza a mão humana na fotografia dizendo que “aqueles que manejam as lentes não simplesmente copiam o que veem: selecionam, recortam e impõem um olhar específico para tudo aquilo que captam com suas máquinas”. Essa afirmação é importante para entender que a fotografia de modo geral parte de uma intencionalidade humana de representar algo que deseja, uma mensagem, um símbolo.

3. Fotolivro

As definições de fotolivro são complexas, pois passam por muitos pontos de vista. Fotolivro mantém semelhanças com o livro de artista, e as definições de ambos se cruzam em certos aspectos. 

Porém, são formas diferentes de apresentação fotográfica inseridas em livros, com intenções, características e finalidades distintas, ainda que haja aproximações. Semelhança essa que se dá por muitos considerarem o fotolivro um tipo de livro de artista, ou uma categoria dentro do livro de artista. Falar sobre essas duas coisas requer cautela, por isso as definições e discussões desta sessão não se propõem a trazer afirmações plenas, em vez disso, a proposta é explorar de maneira um pouco mais aberta, trazendo possíveis respostas e perguntas para o tema.

Precedendo às definições, em vez disso, é necessário discorrer sobre o porquê do fotolivro, por que artistas, fotógrafos e até mesmo designers que se aventuram pela fotografia encontram no livro uma oportunidade de se expressarem, ou por que livros são necessários em meio às novas formas de arte e publicações de fotolivros.

A premissa para um propósito do fotolivro é a democratização, ou seja, a acessibilidade que este suporte permite. Em um contexto histórico, Amir Cadôr (2016) aponta uma necessidade dos artistas “fluxus” da década de 60, que ansiavam aproximar a obra de arte das pessoas comuns. Nesse contexto, o fotolivro é um suporte de fácil circulação, uso e custo por ser de fácil reprodução para a época. 

Vale ressaltar que se trata de uma “fácil produção” quando se a compara às demais formas de se produzir arte        e fotografia, pois ainda assim existiam e existem certas dificuldades na produção de fotolivros. Sua materialização implica complexidades inalienáveis.

 A pesquisadora e artista Letícia Lampert (2020) ressalta essa necessidade de rompimento com a   elitização da arte. Nas décadas de 60 e 70 do século XX, artistas enxergavam no fotolivro uma oportunidade de democratizar a arte contemporânea, além das várias possibilidades que este suporte permite, como encadernação, tipo de papel, impressão, corte e etc.

Horacio Fernández (2011) atesta que o fotolivro é o livro do século XX, como forma de publicação para atender a demanda dos novos tempos. O autor explora o tema a partir da perspectiva da arte latina-americana, que passava igualmente pela necessidade de democratizar e dar maior acessibilidade a arte e a fotografia. 

Nas palavras de Fernández, (2011, p. 29) “o fotolivro nasceu no século XX para marcar a história da fotografia e a história dos livros”.

Tendo em vista o contexto da presença do livro nas produções artísticas, este artigo propõe abordar as categorias de fotolivro e livro de artista. Não se ambiciona aqui uma categorização plena, definitiva e categórica destes termos. Nosso objetivo é, antes, o de abordar possíveis definições para ambos, com vistas a permitir que a direção de arte possa distinguir minimamente um fotolivro de um livro de artista ou saber que existem semelhanças cruciais.

Gerry Badger (2015) diz que um fotolivro, de modo geral, é   uma publicação que se propõe a fazer uma combinação de imagens em sequência, que possui uma narrativa, conta uma história e transmite uma mensagem por meio de imagens e    fotografias em sequência, assim como uma publicação literária, em que cada foto dá sentido a outra. Em outras palavras, o fotolivro apresenta fotografias de forma narrativa, com tema e atmosfera próprios.

O fotolivro é uma publicação que tem uma forma própria de contar histórias, uma característica que aparenta figurar em todas as definições consultadas. Criar narrativas e contar boas histórias de forma criativa e complexa, oferecendo uma experiência única muito própria deste tipo de publicação, levando o leitor a um universo de imagens em sequência, integram as características que distinguem o fotolivro como categoria. Gerry Badger (2015), na revista ZUM 8, diz:

Para mim, a verdadeira importância do fotolivro é essa. Menos do que escolher entre parede ou livro, se a fotografia é arte ou literatura – e por que não os dois? –, trata-se do lugar em que se acredita que a fotografia entoe sua canção mais plena e significativa. (Badger, 2015)

Em resumo, o fotolivro foi uma alternativa dos artistas dos anos 60 e 70 de tornarem a fotografia e a arte algo mais acessível e democrático. Para ser fotolivro, é preciso contar histórias por meio de imagens, fotos em sequência que conferem   sentido umas às outras, à maneira de uma publicação literária. Pode-se ainda dizer sobre fotolivros que se compõem de tiragens e envolvem vários profissionais, basta que se analisem suas fichas catalográficas. Sua feitura depende de cadeia de produção, atravessada por editoras, gráficas. Lambert (2020) afirma que fotolivros fogem dessa ideia e são publicações mais independentes, se assemelhando com o livro de artista que será abordado logo em diante.

O livro de artista, por sua vez, é um livro inteiramente feito pelo artista podendo ou não ser um livro de fotografia, o qual não se limita apenas a ilustrações, ou seja, todo o esforço dedicado à concepção do livro é de responsabilidade do artista, que se utiliza do livro como meio de expressão, em que forma e conteúdo formam um todo indissociável. Silveira (2008)  expõe o caso dos livros múltiplos, impressos em tiragens e o caso dos livros objetos, peças únicas que funcionam como obras de arte. 

Muito se discute acerca do verdadeiro papel do livro de artista, ao qual se atribuem muitas nomenclaturas diferentes. Segundo Letícia Lampert (2020), trata-se da democratização da obra de arte. Em geral, um livro de artista é feito pelo artista de forma autoral e independente, podendo ter uma tiragem maior ou não, ou ser apenas um único objeto exclusivo, o que vale para um livro de artista é ser feito pelo artista, em que o foco é que o livro em si seja a obra de arte, contendo fotografias ou não.  Silveira (2008) diz que um livro de artista que possua fotografias é basicamente um livro fotográfico, ou livro de fotografias ou fotolivro, compreendendo que a contenda se dá no campo terminológico. 

Enfim, enquanto o fotolivro é um livro feito predominantemente de imagens fotográficas, podendo conter textos ou não, que inclui a participação do artista e de outros profissionais, o livro de artista é uma obra feita exclusivamente pelo artista do livro, uma obra que funciona como arte de pleno direito.

Fazer essa distinção é importante para um diretor de arte que se propõe a fazer a concepção de um fotolivro, pois é necessário ter conhecimento de seu contexto histórico, saber da relação com a arte e o livro de artista, não para seguir regras estritas do fotolivro.

 A ideia é ser um livro aberto, cheio de possibilidades, em que se explore o máximo de recursos possíveis e necessários para uma publicação do tipo, que conte boas histórias e crie narrativas capazes de engajar o leitor e o levar para um mundo dentro do fotolivro. 

É fundamental trazer esse diferencial de contar histórias por meio de imagens fotográficas de forma acessível, pois livro de fotografia ou fotolivro não é sinônimo de impressão cara e sofisticada, nem de um tipo de livro mais caro, ao contrário, o fotolivro é uma forma de levar a fotografia para as pessoas de forma mais democrática e flexível.

4. Um Olhar Sobre a Concepção do Fotolivro em Sua Forma e Conteúdo

Para Martins Filho (2008), trata-se de um objeto tão familiar e comum a ponto de passar despercebido. Não que seja um objeto ignorável mas cujo interesse maior repousa no conteúdo nele impresso, em que o suporte e os esforços aplicados acabam por ser tão intuitivos que mal se percebem suas características base, como design gráfico, composição, acabamento. 

O exemplo que o autor cita é a construção de uma casa, em que Martins Filho (2008, p. 10) fala que “da mesma forma que uma casa deve ser construída para que nela se possa morar, o livro também deve ser construído para que possa ser lido”. E o autor ainda considera isso um ponto positivo, pois a forma nunca deve se sobressair ao conteúdo, ou espera-se que não, uma vez que, segundo ele, a forma deve exaltar a mensagem, ambas devem estar em sintonia. 

Tschichold (2014, p. 31) aponta isso como sendo um papel do designer, em que “um designer de livro deve ser um servidor leal e fiel da palavra impressa”, ou seja, a forma é importante para dar a característica de livro para o objeto e servir de suporte para o conteúdo, podendo também fazer parte do conteúdo, mas não se sobressair ao conteúdo, o qual é jamais acessório ou secundário, mas sim complementar e de importância capital para a mensagem veiculada. 

Nas palavras de Tschichold (2014, p. 31) o artista gráfico “está buscando constantemente novos meios de expressão, levado ao extremo pelo desejo de ter um estilo pessoal”. Ou seja, percebe-se uma clara diferença entre o foco do designer e do artista ao produzir um livro, porém o fotolivro ou livro de artista transita entre esses dois campos, em que Silveira (2008) diz que o um livro de artista é produzido inteiramente pelo artista gráfico, como forma de expressão, porém o fotolivro é uma vertente do livro de artista, o qual pode ou não seguir uma linha mais artística, a depender de quem o produzir.

As definições de fotolivro ou livro de artista são complexas, pois passam por muitos pontos de vista, como apresentado anteriormente, nas quais se entrelaçam o design e a arte. Tschichold (2014), por exemplo, inclina-se na direção do design do livro. Ele se concentra na “forma do livro” ou “estética do livro”, nas regras bases que constituem um livro. Já Silveira (2008), fala sobre um tipo de livro originado das artes visuais, porém por se tratar de livro, cruzam-se outras definições e regras.

É importante resgatar esses dois pontos de vista, pois ao pensar na construção ou concepção de um fotolivro é necessário entender qual linha se pretende seguir, uma mais expressiva e artística, ou outra mais centrada na estética e forma do livro, não que a segunda não seja expressiva, mas a forma de concepção é bem diferente da anterior.

No final das contas, o centro é o objeto, ou seja, a forma e o conteúdo desse objeto. Silveira (2008) diz que o livro de artista é como um corpo físico expressivo, isto é, um corpo que está presente no espaço e no tempo, que possui forma.

Mas a grande questão que o fotolivro encerra é o fato do mesmo se encontrar em um ponto de convergência de outras áreas de conhecimento, o que o torna um objeto complexo, porém com grande potencial de ser investigado e estudado. Nas palavras do autor, sobre a grande convergência de áreas envolvendo o fotolivro impresso: 

Ele tem muito da arte, outro tanto da biblioteconomia, fortes elementos da comunicação visual e do projeto industrial, apropriação literária, um pouco de gramática cinematográfica, algumas intenções políticas e quase quantos et ceteras se puder imaginar (Silveira, 2008, p. 123).

A complexidade demonstra o desafio de se estudar este objeto, o que o torna instigante, e a direção de arte tem um grande potencial de contribuir com a concepção deste objeto, uma vez que compreender essa complexidade permite ao diretor de arte tomar as decisões corretas a respeito do fotolivro impresso.

5. Direção de Arte na Concepção de Fotolivros

Ao discorrer-se sobre direção de arte voltada à concepção e produção de fotolivros, o objetivo é buscar definições e esclarecimentos distintos. Não se trata, entretanto, de uma tarefa tão simples assim, visto que existe uma escassez de material bibliográfico fundamentando direção de arte na concepção e produção de fotolivros, o que dificulta a coleta de bibliografia especializada.

A estrutura para concepção e produção de fotolivros estudada para este artigo envolve principalmente três pilares que colaboram para conceber o fotolivro e viabilizar sua produção. Essa frente é formada principalmente por edição, design gráfico e produção gráfica, que auxiliam o autor e fazem um trabalho em conjunto para concepção e produção de um fotolivro. 

Diretamente implicada nesta lógica está a direção de arte e para esclarecer e compreender melhor o tema, realizaram-se entrevistas com convidados de relevância para o artigo, contribuindo para a compreensão das especificidades que permitam compreender aspectos envolvidos na produção de fotolivros.

Na busca pela conciliação de saberes e fazeres implicados na produção de fotolivros, optou-se por buscar conhecimento que transcendesse livros e artigos, daí realizarem-se entrevistas semiestruturadas via chamadas de vídeo, no intuito de obter-se maior consistência, valendo-se da fala de profissionais relevantes na produção de fotolivros no Brasil. 

Julgou-se necessário pensar as particularidades da direção de arte para fotolivros. “Qual a real relevância da direção?”, “O que é direção de arte?”, “Como diferenciar direção de arte?”, “O que um artista acha sobre ter um diretor de arte contribuindo com seu trabalho?”, entre outras questões relevantes.

Claudia Mendes e Aline Frederico (2020) exploram a direção de arte como linguagem, em que definem e diferenciam direção de arte, direção criativa e design gráfico, mesmo que, segundo as autoras, essas áreas estão cada vez mais ligadas, principalmente a figura do diretor de arte e do diretor criativo. Nas palavras das autoras:

O trabalho de direção de arte difere do design gráfico por sua maior abrangência visual, incluindo vídeo, ilustração e fotografia; e difere da direção criativa por ter seu foco apenas na criatividade visual, uma vez que texto, comunicação e estratégia estão fora de sua área de atuação. (Mendes; Frederico, 2018, p. 39)

Além dessa citação, vale ressaltar que a direção de arte agrega níveis de sentido e emoção a um projeto, em que se cria uma relação entre experimentar e experienciar. 

As autoras ainda compilam observações de Mall, autor no qual as pesquisadoras se basearam para escrever o artigo. Mall é diretor de arte, designer e desenvolvedor, e recolheu informações e opiniões com alguns de seus colegas, possibilitando perceber que para esses profissionais existe uma diferença entre direção e design, porém, não é uma diferença definitiva, pois o processo de criação acontece em conjunto, ou em alguns casos, de forma um pouco mais individual e autônoma. 

Essa distinção pode ser dividida de forma mais simplificada entre uma execução técnica (design) e o exercício de se criar atmosferas e narrativas a cargo da direção, podendo um único profissional em determinados casos fazer ambas as coisas. É importante deixar claro que na prática, não existem fronteiras claras entre design e direção de arte, ou seja, em certos níveis o design faz parte da direção e a direção faz parte do design, em que cada vez mais essa diferenciação não faz sentido no exercício prático. isso cruza com algumas das observações feitas nas entrevistas, como a da Luciana Molisani que diz que o autor quando resolve fazer um livro, fica entre um tripé que é o editor, designer gráfico e o produtor gráfico, e esses três profissionais vão ajudar para que o livro chegue o mais próximo possível do que o autor quer comunicar.

Em relação a entrevista feita com a Letícia Lampert, notou-se a ressonância dessa ideia. Na percepção da artista, percebeu-se que o resultado de um bom fotolivro envolve várias etapas e a interação de vários profissionais no processo, em que o efeito é um fotolivro coeso, com uma boa narrativa, no qual a experiência de leitura é garantida graças à articulação do todo.

A direção de arte, ou melhor, a figura do diretor de arte é fundamental para a produção de um fotolivro, com exceção de livros feitos em um processo mais artístico e autoral, em que o artista compõe o todo do livro de maneira quase individual, porém, mesmo nesses casos é necessário um certo conhecimento em direção de arte, ou ter o apoio de um diretor / designer.

Porém, nota-se que na tríade apresentada pela Luciana Molisani, ela não destaca a presença de um diretor de arte, pois no decorrer da entrevista, depreende-se que muito do que envolve a direção de arte dissolve-se em outros profissionais, em destaque o designer gráfico, papel exercido por ela mesma, que atua como diretora de arte na agência de design Irmãs de Criação, em que a designer é proprietária. 

Talvez este papel de direção de arte, neste caso, esteja associado ao designer por se tratar de uma pessoa que tenha essa experiência e capacidade, uma vez que a Lovely House atua como editora independente. Vale ressaltar também que dentro do processo deles, segundo José Fujocka, essa tríade funciona de forma que quando o livro chega, “entra de uma forma e sai de outra completamente diferente, em que tudo isso é um processo de instigar o autor a ir descobrindo um caminho para o seu livro”.

Contribuindo com essa visão, Eder Ribeiro afirma que existe esse trabalho em conjunto, em que o mesmo também aponta uma estrutura que envolve quatro frentes, incluindo o autor, ou seja, uma tríade que trabalha em conjunto do autor/artista, que é editor, designer e produtor gráfico, no qual o entrevistado deu uma ênfase no produtor gráfico, que é a peça-chave que viabiliza todo esse trabalho. Ou seja, mesma estrutura apresentada por Molisani, e que de certa forma, se encaixa na estrutura citada por Letícia, mesmo que a artista não a tenha exposto nesses mesmos termos.

Na fala de Eder Ribeiro, as funções da tríade se dividem da seguinte forma: “o editor faz a seleção e o ordenamento das imagens para que façam sentido como um conjunto, ao passo que o designer gráfico vai dar forma”.

Em um outro momento ele afirma que o produtor gráfico faz o protótipo para ver as melhores opções de produção, ou seja, o produtor gráfico viabiliza o projeto.

A direção de arte, neste caso, também se associa a outros profissionais, em que mais uma vez, se trata de um caso em que a editora funciona de forma mais independente, o que talvez essa talvez seja a realidade da maioria das editoras no Brasil.

O interessante é que nas falas dos entrevistados, as atribuições da direção de arte estão presentes nessa lógica, como as falas dos entrevistados nos levam a inferir. 

Uma observação interessante de se fazer é que o editor tem muito do papel de “maestro”, à maneira de um diretor de arte. Na visão da autora Daniela Castilho (2018), o diretor de arte funciona como um “maestro visual” coordenando os elementos visuais que compõem uma cena, semelhante ao editor que faz o ordenamento das imagens. 

Fica claro mais uma vez que os elementos que compõem a direção de arte estão presentes na produção do fotolivro. Importante ressaltar neste momento que o presente artigo não visa separar ou justificar a divisão da direção de arte em relação às outras funções e áreas envolvidas na produção de fotolivros, o foco é entender e conhecer aspectos da direção de arte que estão presentes na concepção e produção de fotolivros.

Segundo Letícia Lampert (2023), na entrevista realizada para este artigo pelo autor, mesmo esses autores que preferem um controle maior, geralmente gostam da colaboração do designer e do diretor, em que parte do papel desses profissionais, em certos momentos, é se envolverem com o projeto de forma colaborativa, em que no geral, segundo Lampert, os artistas e fotógrafos aceitam bem e preferem algum tipo de orientação e direção em seus projetos, surgem dúvidas durante a produção do fotolivro que são respondidas com a ajuda e mediação de um diretor de arte, envolvendo todo tipo de questões desde da narrativa e sequenciamento de fotos até na escolha do papel em que será impresso. 

Importante ressaltar que, mesmo com a colaboração de um diretor e participação de outros profissionais, a autoria do projeto ainda é do artista, pois segundo Lampert, a palavra final e a aprovação do material sempre passarão pelo artista ou fotógrafo. É ele quem valida tudo que será feito.

Tendo em vista que os próprios artistas sentem a necessidade de uma direção, fica clara a necessidade da participação de um diretor de arte na concepção de fotolivros, pois assim como a Lampert diz na entrevista, o artista muitas vezes não tem o conhecimento dos processos de produção gráfica, enquanto um diretor tem essa capacidade de orientar quais processos e quais materiais são mais adequados para cada projeto. Ou seja, fazendo um paralelo com o que foi dito anteriormente sobre a democratização da fotografia, a entrevistada aponta que outra função do diretor é tornar o fotolivro acessível, ou seja, pensar o fotolivro para ser produzido de forma acessível, pois essa é a proposta, alinhar recurso à realidade, em que se pensa na produção e na distribuição de forma razoável.

Para esquematizar essa estrutura de concepção e produção de fotolivros citada anteriormente, foi realizado um mapa mental esquematizando de forma simples:

 

Figura 1 – Mapa Mental Fotolivro. Autoria própria (2024).

 

A partir do esquema acima como base, o ponto ou tema inicial é o fotolivro, em que a direção de arte funciona como se fosse ponto de vista para se entender a concepção e produção do fotolivro. Este ponto de vista é divido em outras três partes, em que trabalham em conjunto para auxiliar o artista ou fotógrafo a conceber um fotolivro. 

Essas três divisões são representadas por um editor, designer e produtor gráfico, porém a direção de arte, segundo as pesquisas e entrevistas, partilha-se entre esses três papéis, ou seja, a direção de arte está lá, em que não é como se não existisse apenas por não ter um representante com o título de diretor de arte. 

A partir  das entrevistas, foi possível compreender a importância da direção de arte e como ela está inserida nessas três divisões, uma vez que não se fala muito sobre isso nas editoras, pois muitas vezes a pessoa com a experiência e conhecimento necessário além de fazer a direção de arte na concepção de fotolivros está com outras responsabilidades de igual relevância que são mais bem compreendidas e faladas dentro desse ambiente, ou seja o diretor de arte é compreendido na produção de fotolivros como designer gráfico.

 Na sequência do mapa mental se tem o artista e/ou fotógrafo, que tem a autoria projeto e posteriormente retorna ao fotolivro, que é o resultado final. Essa estrutura serve para mostrar que o fotolivro chega de uma forma, passa por um processo de concepção e produção junto com o artista e, no final, esse projeto se torna outra coisa, o resultado de um esforço coletivo de se criar fotolivros.

6. Considerações finais

Após explorar conceitos, técnicas e a estrutura de concepção de fotolivros, foi possível obter bons resultados e compreender melhor a relação entre direção de arte e fotolivro.

O objetivo principal era esclarecer melhor qual o papel e relevância que a direção de arte desempenha na produção de fotolivros.

Essa relação está presente numa estrutura dividida em três frentes, que colaboram com o autor do fotolivro. Essa estrutura é formada por editor, designer gráfico (onde se encontra o papel do diretor de arte) e produtor gráfico, que trabalham em conjunto com o artista ou fotógrafo para produzirem um fotolivro. O editor fica principalmente com o papel de organizar e fazer o sequenciamento das imagens, fazendo a seleção para que se possa construir uma narrativa com o material, o designer gráfico é responsável por dar forma a essa sequência, dando sentido a obra e criando uma experiência de leitura, o produtor gráfico viabiliza a produção do fotolivro para que se possa produzir, enquanto que o autor é quem levanta o conceito da proposta, é ele quem sabe o que se quer comunicar com o livro, validando todo o trabalho realizado.

A direção de arte não é muito citada na produção desse objeto. Contudo, após realizadas as entrevistas e fazendo o cruzamento dos argumentos expostos pelos convidados, foi possível chegar em um acordo em que para o autor a direção de arte é importante pois dá direcionamentos e agrega valores de sentido e experiência ao fotolivro, em que ter um diretor de arte deixa o autor mais tranquilo em relação ao que se quer comunicar. Para as visões do editor, designer gráfico e produtor gráfico, a direção de arte está diluída entre todos esses papéis, sendo representada principalmente pelo design gráfico, porém resgatando a fala de Mendes e Frederico (2018), a direção de arte é quase que uma evolução natural do design gráfico, no qual uma coisa leva a outra, então isso justifica o fato da direção de arte ser feita pelo designer gráfico. 

Outra contribuição do trabalho foi identificar que existe uma necessidade de se esclarecer melhor sobre o que é a direção de arte dentro da produção de fotolivros, pois após conversar com Luciana Molisani, que atua como diretora de arte em sua agência de design, percebeu-se que a convidada não atua como diretora de arte em sua editora de fotolivros, mas sim como designer gráfico, carregando consigo sua experiência em direção de arte, central para a produção e publicação de bons fotolivros.

Enfim, a concepção e produção de fotolivros é complexa, pois não se restringe simplesmente a encadernar um punhado de fotografias e publicá-las, existe todo um trabalho de bastidores, que serve para contar histórias por meio do sequenciamento de fotos, mostrando um grande potencial da fotografia, em que seu resultado final pode-se dizer que é um publicação de autoria compartilhada, feita pela colaboração de vários profissionais, inclusive o diretor de arte.

Referências

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[1] “Fluxus não foi um momento na história ou um movimento artístico. É um modo de fazer coisas […], uma forma de viver e morrer”, com essas palavras o artista americano Dick Higgins (1938-1998) define o movimento, enfatizando seu principal traço. Menos que um estilo, um conjunto de procedimentos, um grupo específico ou uma coleção de objetos, o movimento fluxus traduz uma atitude diante do mundo, do fazer artístico e da cultura que se manifesta nas mais diversas formas de arte: música, dança, teatro, artes visuais, poesia, vídeo, fotografia e outras. Seu nascimento oficial está ligado ao Festival Internacional de Música Nova, em Wiesbaden, Alemanha, em 1962, e a George Maciunas (1931-1978), artista lituano radicado nos Estados Unidos, que batiza o movimento com uma palavra de origem latina, fluxu, que significa fluxo, movimento, escoamento.

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Gabriel Ribeiro da Silva é especialista em Direção de Arte, Universidade Estadual de Londrina (g.ribeirodasilva@gmail.com). Dr. Rogério Zanetti Ghomes é coordenador da Pós-graduação em Direção de Arte: design e comunicação, coordenador do EDn - Escritório de Design - AINTEC UEL, Universidade Estadual de Londrina (rogerioghomes@uel.br).

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